14 dezembro 2008

LUGAR, NÃO LUGAR E CIBERCIDADES: A QUESTÃO DA IDENTIDADE

É preciso conhecer a realidade para saber como nela atuar. Neste tempos pós-modernos a rapidez das mudanças tem gerado alterações significativas na realidade.
Estudar e entender o processo de convivência das cibercidade e da cidade real é umdesafio, no sentido de que:
1º. O indivíduo possa entender a sua realidade;
2º. O indivíduo possa se situar em sua realidade;
3º. O indivíduo possa capitalizar os benefícios dos avanços (tecnológicos, informacionais, cibernéticos, etc...) em prol da sociedade da cidade real
.

O advento de novas tecnologias de comunicação, desenvolvimento tecnológico e informacional e o surgimento de novos campos de pesquisa como a Nanotecnologia, Manipulação Genética, Inteligência Artificial, Neurociência vem gerando neste início de século, transformações importantes nas cidades pós-industriais, “caracterizando um movimento crescente de desterritorialização dos mundos simbólicos e esfacelamento de fronteiras entre o arcaico e o moderno, entre o local e o global, a cultura letrada e a audiovisual (Barbero, 2003).

Surge um novo domínio, o ciberespaço “um espaço relacional capaz de colocar em contato, através de técnicas de comutação eletrônica, pessoas do mundo todo, portanto é um espaço midiático de comunicação e compartilhamento”. (Lemos, 2002) Com o ciberespaço, a partir dos anos 70, surgem as cidades digitais, as cibercidades, consolidando-se, no transcorrer da última década, com a difusão da Internet _ o mais poderoso meio transnacional de comunicação interativa.

Neste contexto, conforme apresentado por Castells, as cidades deixam de ser um local: "Defenderei que, por causa, da natureza da sociedade baseada em conhecimento, organizada em torno de redes e parcialmente formada de fluxos, a cidade informacional não é uma forma, mas um processo, um processo caracterizado pelo predomínio estrutural do espaço de fluxos" (Castells, 1999, p. 423).

Para Lemos, as cibercidades são espaços urbanos cibernéticos, ou seja, são artefatos (como o são todas as cidades) digitais, fundando a partir de formas novas de fluxos comunicacionais e de transporte, por meio de ação à distância, uma nova instância de conviviabilidade, assim como de vida social e política; são formas espaço-temporais que se constróem pelo movimento: transporte e comunicação. Cidade e circuitos eletrônicos mantêm assim uma analogia que vai além da mera metáfora: ambas fazem circular (transporte) informação pelos mapeamentos de objetos e instrumentos provocando situações de comunicação.

O “lugar”_ como um lugar de identidade, relacional e histórico, carregado de significações pessoais, de memórias, de referências para a identidade pessoal ou grupal, com a cibercultura, se vê transformado, de agora em diante, em espaço de fluxo. E é substituído cada vez mais pelo “não lugar” _ espaços de anonimato, de não-memórias e de não-encontros.

Porém, não deixa de ser paradoxal que, enquanto existem cada vez mais “espaços de não-encontro”, existam paralelamente, em outra dimensão, cada vez mais “encontros sem lugar”, encontros em um espaço virtual, possibilitados pelo advento da Internet, e que constituem a modalidade contemporânea de relacionamento humano.

O cidadão passa a experimentar uma sensação de “abolição do espaço” e circula em um território transnacional, desterritorializado, no qual as referências de lugar e caminhos que ele percorre para se deslocar de qualquer ponto a outro modificam-se substancialmente.

A sociedade urbana contemporânea está submersa num mar de informações, modelos desencontrados, possibilidades alternativas, que a colocam em permanente confronto com suas próprias crenças e com os modelos de conduta que porventura já tenha internalizado. Encontra-se no estado de “multifrenia”, termo com o qual Gergen(1991) designa a condição humana nos contextos culturais da pós-modernidade: a identidade já não é vivenciada como una e estável, mas sim sujeita a uma multiplicidade de manifestações, por vezes díspares e inusitadas aos olhos de um observador externo. Em outras palavras, já não existe mais uma essência individual à qual a pessoa permanece fiel ou comprometida, mas “a identidade é continuamente emergente, re-formada e redirecionada na medida em que a pessoa se move num mar de relacionamentos em constante mudança” (p. 139). Todas as possibilidades estão abertas, a identidade passa a ser vista como potencialidade, virtualidade, possibilidade permanente de expressão de uma subjetividade multifacetada e contextual.

A falta de referentes estáveis de tempo e espaço, o rompimento com as tradições culturais e a perda do papel modelador e moderador da autoridade religiosa, expõem a indivíduo ao desafio de manter um frágil equilíbrio entre o seu núcleo de identidade pessoal – do qual são parte importante as memórias que lhe dão a sensação de ser um só, apesar de tantos – e as virtualidades, os simulacros, as novas formas de organização social.

Os referentes de espaço são fundamentais para o senso de identidade pessoal, e para a manutenção de um senso segurança ontológica. Diante das dramáticas mudanças por que passa a noção de espaço (e tempo) nas sociedades contemporâneas, é necessária a reflexão sobre os impactos que as novas ordenações espaciais têm sobre a noção de identidade. A realidade da “compressão do tempo-espaço”, “saturação social”, “não-lugares”, “ciberespaço”, traz profundas implicações para a expressão da identidade pessoal: “As ordenações simbólicas do espaço e do tempo fornecem uma estrutura para a experiência mediante a qual aprendemos quem ou o que somos na sociedade” (Harvey, 1992, p.198).

Até à Modernidade, o conceito de comunidade era baseado na proximidade geográfica. Atualmente, com a evolução que ocorreu principalmente nas últimas décadas, a comunidade é baseada na informação, na comunicação em rede, sendo a cultura a base da organização, desaparecendo a referência identitária a um lugar. Ou seja, na rede o indivíduo pode pertencer a um lugar que não existe, já que este se apresenta como simulacro.

Assim, as sociedades, que antes estavam enraizadas em seu território, e a isto estava relacionado o sentimento de pertencimento, passaram por um processo de “desterritorialização”. O mundo em rede torna as culturas acessíveis a todos, criando uma realidade onde as barreiras temporais e geográficas já não têm tanta importância. É o que Lemos chama de territorialidade simbólica. “Com o ciberespaço, as pessoas podem formar coletivos mesmo vivendo em cidades e culturas bem diferente. Criam-se assim territorialidades simbólicas” (Lemos, 2004). “Com as relações sociais a migrarem de um suporte físico para novos espaços virtuais, os cidadãos e as localidades estão cada vez mais a abstraírem-se de seu sentido geográfico e histórico, pois com o rompimento dos padrões espaciais através da interação com as redes, o “espaço dos fluxos” passou a substituir o ‘espaço dos lugares’”(Vidigal, 2002).

A ausência de uma localização geográfica, embora o ciberespaço funcione como espaço público fundamental para as comunidades virtuais, comprova que é a identificação com o outro que vai definir as comunidades. Enquanto na Modernidade esses grupos eram formados por pessoas que viviam em determinado território; agora, com o desenvolvimento é o indivíduo “desterritorializado” que adquire o poder de escolha, baseado em traços identitários comuns.

Essa nova dimensão espaço-temporal, de não- lugares, distancia-se cada vez mais da idéia clássica de sociedade. Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente”. Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades, dentre as quais parece ser impossível fazer uma escolha (Hall, 2001). As características que fazem com que o indivíduo sinta-se parte de determinada nação, tais como religião, sotaque e etc., tornam-se deslocadas, já que, no mundo pós-moderno, a cultura não pertence apenas a uma nação.

Na sociedade em rede, a cultura não tem pátria e a identidade passa a ser construída a partir da leitura que fazemos sobre determinado traço cultural, de que nos apropriamos. As comunidades virtuais serão formadas por indivíduos que buscam interesses comuns, traços de identificação, que nada mais são que o sentimento de pertencimento. Assim, o indivíduo é provido de liberdade para ser o que deseja e, logo em seguida, deixar de sê-lo quando quiser. Se na Modernidade os indivíduos possuem funções definidas e os grupos formam-se de forma contratual, na atualidade, as pessoas (personas) desempenham diversos papéis e como as comunidades _ também chamadas de tribos por Maffesoli (2006) _ baseiam-se em interesses comuns, essas funções modificam-se para constituir essas tribos afetivas.

A nova cultura em rede instala uma forma de ver o real, na qual a segregação emerge da seleção de diversos tipos de relações societárias que desejamos vivenciar. Na verdade, o ordenamento da cibercidade implica a sua partilha por diversas tribos que se juntam por laços de afetividade cultural, sexual, racial etc.

Nesse sentido, mais uma vez, podemos observar o virtual como extensão do real. A sociedade contemporânea da multimídia, da realidade virtual e das redes telemáticas, não é mais literária, individual e racional, mas simultânea, como diria McLuhan, presenteísta, tribal e estética como afirma Maffesoli (2006) e “simulacro” dela mesma como nos explica Baudrillard.

Na rede não há fronteiras para as práticas sociais das tribos eletrônicas; diversos grupos de pessoas se identificam e passam a ter uma relação afetiva com um espaço virtual, que é, de fato, o próprio espaço geográfico, só que na dimensão global. Segundo Maffesoli (2006), estaríamos assistimos hoje a passagem (ou a desintegração) do indivíduo clássico à (na) tribo. A erosão e o esgotamento da perspectiva individualista da modernidade é correlata à formação das mais diversas “tribos” contemporâneas (fenômeno mundial com grupos religiosos, esportivos, hedonistas, musicais, ambientalistas, tecnológicos, etc.). Através dos diversos “tribalismos” contemporâneos, a organização da sociedade cede lugar, pouco a pouco, à organicidade da socialidade, agora tribal e não mais racional ou contratual.

Porém, neste tempo pós-moderno, há ainda que se considerar um outro importante aspecto, vital para entendermos os dilemas que a cibersociedade poderá se defrontar: as novas convergências de tecnologias (Nanotecnologia, Biotecnologia, Tecnologia da Informação, Ciência Cognitiva) têm por objetivo promover a interação entre sistemas vivos e artificiais, na busca de novos dispositivos que sirvam para expandir ou melhorar as capacidades cognitivas e comunicativas dos seres humanos, sua saúde e capacidade física, sendo capazes de trazer modificações significativas na sociedade e no ambiente.

Chega-se mesmo a pensar no “renascimento da ciência”, numa nova era da ciência e da tecnologia resultante do agrupamento dessas áreas, e que poderá fazer diferença na sociedade do futuro: visões de próteses tão inteligentes que, em última instância, apenas o cérebro permanecerá orgânico no sentido hoje atribuído a esta palavra. Transplantes, próteses perfeitas de membros, chips implantados, clones humanos, saem progressivamente da ficção. Agreguemos o aumento da importância quantitativa e qualitativa da imagem e da virtualidade na guerra, na ciência, na tecnologia, na política, na economia, nas interações sociais e na construção de comunidades imaginadas (Ribeiro,1996). Defrontamo-nos com uma ampliação do universo dos simulacros e simulações, com outro regime de visualidade com suas implicações para as formas de perceber e representar o mundo, implicações com impactos que se estendem da formação da subjetividade à formação de coletividades.

Segundo Gustavo Lins Ribeiro, o impulso de ampliação, via tecnologia, da capacidade corporal e da mente, “coloniza cada vez mais nosso mundo, problematizando díades antes consideradas fixas e intransponíveis como natureza/cultura, orgânico/inorgânico, real/imaginário, criando ou exacerbando porosidades, trânsitos, fusões, novas relações entre os elementos destes pares”.

Como pano de fundo, vemos o capital que _ via biotecnologia _ alcançou a própria lógica da cadeia da vida, e _ via ciberespaço _ realiza seus desígnios de poder e acumulação no próprio universo virtual. “O homem, por assim dizer, tornou-se uma espécie de ‘Deus de prótese’. Quando faz uso de todos os seus órgãos auxiliares (os objetos por ele criados), ele é verdadeiramente magnífico; esses órgãos, porém, não cresceram nele e, às vezes, ainda lhe causam muitas dificuldades”. (Ribeiro, 1996)

A narrativa brinca permanentemente com a linha humano/nãohumano, ou melhor dito, a linha humano/humano-criado-pelo-humano como que a antecipar o futuro onde, de acordo com Rabinow, a nova genética “deixará de ser uma metáfora biológica para a sociedade moderna e, ao invés, se tornará uma rede de circulação de termos de identidade em torno da qual e através da qual um tipo verdadeiramente novo de autoprodução emergirá: a‘biosociabilidade’, onde a natureza será modelada na cultura entendida como prática.

A natureza será conhecida e refeita através da técnica e finalmente se tornará artificial, da mesma forma que a cultura se tornará natural. Se este tipo de projeto realmente vier à luz, representará a base para ultrapassar a divisão natureza/cultura” (Rabinow 1992).

Entre a dupla face utópica (paradisíaca) e distópica (apocalíptica) da tecnologia e da informática, num tempo em que surgem dois regimes de sociabilidade, a tecnosociabilidade e a biosociabilidade (o corpo agora pode ser engenheirado, reconstruído, reformatado, reconfigurado; sonhos de felicidade instantânea, vida eterna, convivem com temores de perda de memória, identidade, integridade e poder; somos ao mesmo tempo um produto da cultura e da biologia (Geertz 1978)), contrapõem-se:

1._ o entusiasmo que permeia propostas e intervenções tecno-racionais, apoiadas na maravilha que se levanta da ampliação das qualidades e ações humanas, na ideologia do progresso e de uma visão evolutiva da história da tecnologia;

2._ com o discurso distópico do conhecimento técnico e seus efeitos em relação às diversas formas de poder (administrativo, legal e físico), que se desdobram em imagens de governos repressivos, sociedades violentas, lugares desagradáveis, perda de referência para a identidade pessoal, invenções controladas por grupos específicos, enfim, uma visão pós-apocalíptica da sociedade industrial e das grandes cidades, sugerindo perspectivas pouco promissoras para as cidades contemporâneas.

Este é o estado das relações atuais entre o humano e sua perda de referências, a tal ponto que surgem termos como pós-biológico, pós-humano, pós-histórico para nomear este afastamento daquilo que nos definia. Talvez por isto as múltiplas possibilidades de presença tenham se tornado cotidianamente viáveis e o ciborgue apareça como um dos novos rostos desta identidade de fluxos, conexões maquínicas, identidades híbridas de posição como os novos espaços da teoria foucaultiana.

Assistimos a uma redefinição antropológica da condição humana, quando na contemporaneidade todos os processos humanos são coisificados pela hiperbiologização do homem e sua realidade é progressivamente mediada pela tecnologia.

No discurso tecno-científico contemporâneo há uma insatisfação ou um desconforto com o humano, levando-nos ao pós-orgânico, ao pós-humano, proporcionados por uma potencialidade de atividades. A visão do homem-máquina é cada vez mais acentuada, visando sua re-construção, sua re-modelação. Desta forma, entendemos que o conhecimento tecno-científico modifica a corporeidade dos seres humanos. É Foucault quem diz que o controle da sociedade se faz também pelo corpo e com o corpo, sendo a tecno-ciência o saber que produz poder.

Este novo horizonte tecno-científico coloca algumas questões de suma importância, como por exemplo, o futuro da espécie humana frente os avanços da biotecnologia e da engenharia genética, a nova representação humana frente ao desenvolvimento da tecnologia da informática e da comunicação, a vida humana em meio aos objetos técnicos.

Uma das possíveis atualizações do biopoder pode ser vista através das reflexões feitas por Paul Rabinow (2002), que discute as mudanças de nossas práticas de vida e éticas sociais com o avanço da biosociabilidade, gerada pelo esquadrinhamento genético possibilitado pelas novas tecnologias.

É incontestável que mudanças profundas estão ocorrendo nos âmbitos culturais, sociais, espaciais, a nível local, nacional, global. Mas, para Rabinow, as mudanças colocadas pelas novas tecnologias são apenas partes dessa situação confusa.

O autor considera a aparição da biosociabilidade como lugar primário da identidade: “uma biologização da identidade que não se assemelha às outras categorias preexistentes (como raça e gênero) no que compreendemos como manipulável e passível de aperfeiçoamento” (Rabinow, 1999).

Cabe notar que o conceito de biopoder proposto por Foucault volta a ser central nessa discussão, ainda que Rabinow insista que seja preciso repensar o que podemos caracterizar como bíos na modernidade, uma vez que já está claro que os novos conhecimentos sobre genômica implicarão mudanças radicais nos âmbitos social e político, mas o que ainda está pendente é como as mudanças referidas à bíos irão interagir com as velhas e as novas relações de poder.

O “quarto motor” de Paul Virilio (1996) _vai modificar totalmente a relação com o real, na medida em que permite duplicar a realidade através de uma outra realidade, que é uma realidade imediata, funcionando em tempo real, livre.

Portanto, o estudo da Cidade Contemporânea, resultante da integração da Cibercidade e da Cidade Tradicional é um estudo muito complexo, pois envolve inúmeras variáveis de diversas áreas de conhecimento, muitas das quais estão surgindo e se apresentando com o próprio desenvolvimento das TIC,Nanotecnologia, Inteligência Artificial,Manipulação Genética, Neurociências e para qualquer estudo todas estas áreas de expressão na vida cotidiana da cidade, devem ser consideradas como atuantes dentro desta nova realidade.

Como vem se dando e poderá se aprimorar a sinergia entre o espaço de fluxos planetário e o espaço de lugar das cidades “reais”, nesta nova sociedade cibernética?
tema pesquisado por arq. Annamaria H. De S. Pires


02 outubro 2008

APOCALYPSE NOW!
Sobre a relação entre emancipação e pessimismo cultural
Robert Kurz (diante da atual crise financeira mundial o que dizer desta análise feita em 1998?)

O medo de um colapso mundial dominou várias culturas. Não raro, a ele se liga a imagem do dia do Juízo Final, como no Apocalipse de João. Esses pensamentos não carecem de um certo núcleo racional e altamente terreno, que dormita sob a roupagem religiosa. Pois toda elite social, que se funda na ''dominação do homem sobre o homem'' (Marx) e sob cujo desígnio são criadas cada vez mais pobreza, miséria e opressão, carrega em seu coração o medo tão oculto quanto bem fundado do dia da vingança.

Na pós-modernidade globalizada do capitalismo, no fim do século 20, as elites liberais há muito não temem mais a vingança de Deus, mas, sim, a possibilidade de uma nova crise global de vulto, na qual a ''mão invisível'' de seu sagrado mercado poderia acarretar ainda mais destruição e morte do que já faz atualmente. Sob o signo dessa crise, a desordem da sociedade ameaça assumir proporções tais que a civilização do dinheiro, hoje aparentemente triunfante, em breve talvez seja engolida pela história, como recentemente o seu parente pobre antagônico, o socialismo de Estado burocrático. Cada acontecimento que aponta nesse sentido (como a atual crise na Ásia) é divisado com um interessado horror.

Para seu divertimento, o mundo liberal escuta a ''profecia'' da crise como uma história da carochinha. Mas, como a cultura pós-moderna da mídia não pode mais, de toda forma, distinguir entre realidade e ''filme'', seus adeptos acreditam que tudo não passa de um jogo, depois do qual todos sairão confortavelmente para jantar. Por isso, não só os profetas da crise de conjuntura, mas também os propagandistas pós-modernos de uma jovialidade equívoca, tentam zombar de toda e qualquer advertência da crise como um pensamento ''milenarista'', irracional e apocalíptico. Os verdadeiros bobos da corte do capitalismo não são, hoje em dia, os arautos das más novas, mas esses ''apaziguadores'' pós-modernos, que retiraram do lixo da história os despojos do progresso burguês e deles fizeram uma moda ''de segunda mão''.

O apocalipse não é tão evidentemente irracional e reacionário quanto os últimos palhaços pós-modernos da razão liberal querem fazer crer. Desde sempre, esse conceito não significou só o Juízo Final sobre um mundo já indigno da vida e o seu colapso, mas também o surgimento de um mundo novo e melhor depois da catarse da grande crise. Nesse sentido, a precisa teoria da crise de Marx, com sua prova lógica de um limite interno absoluto do capitalismo, foi de certa maneira o pensamento apocalíptico racional da modernidade, já que continha também a esperança de um futuro pós-capitalista.

O sombrio pensamento reacionário, ao contrário, quer apenas estabelecer o ponto final da aniquilação: se o mundo antigo não pode mais subsistir, tampouco existirá um mundo novo e um futuro diverso. Oswald Spengler, em seu ''Declínio do Ocidente'', ansiava unicamente pelo final ''heróico'' de uma catástrofe universal. E, quando Hitler viu que a guerra estava perdida, desejou a extinção de todos na Alemanha, pois eles não se tinham mostrado ''dignos'' dele. Quanto mais se evidencia a nova crise do capitalismo, mais o liberalismo global de hoje começa a assumir, com militância, uma postura análoga diante de todo o mundo: se a economia de mercado destrói-se a si mesma, a humanidade deve igualmente cair por terra, e nada de novo poderá mais nascer sob o sol.

O pós-modernismo, como ideologia cultural que guarnece a globalização da economia de mercado, ainda não foi tão longe; antes, ele gostaria de obter ainda um certo progresso da cultura capitalista. Por isso, cada novo surto de crise que destrói a civilização moderna e a aproxima da barbárie é redefinido como uma ''oportunidade''. Sufocamos, por assim dizer, numa inflação de ''oportunidades''. Desse ponto de vista, naturalmente, não é possível uma crítica de base do atual desenvolvimento cultural. Crítica cultural emancipatória e reacionária aparecem como idênticas, pois a mais nova tendência do momento tem de ser automaticamente a melhor e uma cornucópia de ''possibilidades'', mesmo se, de fato, beire as raias do desvario.

Como em relação à crise ou ao ''apocalipse'', há também na questão da crítica cultural um conteúdo diametralmente oposto. O que tanto agrada aos reacionários no passado é uma sociedade de ''senhores e escravos'' com uma cultura autoritária de definições claras, na qual ninguém pode afastar-se do padrão prescrito da tradição obtusa. Só na retrospectiva romântica de tais relações é que eles censuram a cultura comercial de massas do capitalismo tardio. Em oposição a isso, uma crítica cultural emancipatória não quer, obviamente, transpor-se para algum passado glorificado. Inversamente, porém, ela também não pode aceitar toda e qualquer conjuntura nova imposta pelo tempo e dela tentar extrair algum mel, pois uma tal postura seria apenas o reverso do romantismo reacionário.

Em vez disso, trata-se de mostrar a dialética negativa da história capitalista e sua cultura: cada progresso é obtido às custas de um retrocesso, cada possibilidade positiva transforma-se em seu próprio desmentido. O cativeiro babilônico das tradições agrárias foi substituído pelas pragas egípcias do mercado total. O pós-modernismo é a melhor e a mais recente prova disso, pois o seu imperativo é: faça o quiser, mas seja lucrativo! Esta é a fórmula clássica de um ''double bind'', no sentido de Gregory Bateson.

Tal dialética negativa mostra-se hoje mais do que nunca no descompasso entre conquistas técnico-científicas e pobreza global. Uma potência mundial, que envia carrinhos de brinquedo a Marte, deixa 11 milhões de suas próprias crianças expostas à fome. À sombra da arquitetura mais ousada dos cinco continentes vegeta uma miséria de massas que nem a mais debilitada sociedade agrária pré-moderna foi capaz de produzir. Em retrospectiva às últimas décadas do capitalismo, o retrocesso social elementar no fim do século 20 é palpável. O barroco pós-moderno fornece a tais relações uma estética da ignorância, que qualifica a compaixão e indignação social como falta de gosto, o que a remete espiritualmente ao século 18.

Hoje, a cultura pós-moderna dos jovens de classe média lembra um pouco o comportamento dos belos e degenerados Eloi no romance utópico e pessimista ''A Máquina do Tempo'', de H.G. Wells (1895), que sempre estão à busca de diversão, não conseguem mais se concentrar em nada e não mostram interesse algum pela verdadeira situação do mundo. Ao que parece, todas as imagens de horror e as utopias negativas dos últimos cem anos são reverenciadas como modelos positivos no pós-modernismo. Como, entretanto, uma cultura do apartheid social e do canibalismo econômico vinga-se (a longo prazo) nos próprios grupos sociais dominantes, fica demonstrado o declínio intelectual da chamada burguesia. Se algo tornou-se ''sempre pior'', esse algo foi o nível de educação e o standard cultural das elites capitalistas.

O pessimismo cultural da Teoria Crítica de Adorno e Horkheimer não vivia da nostalgia de normas e tradições empoeiradas, mas consistia no ceticismo diante da esperança de que fosse possível extrair dos dominantes algum bem do conhecimento ou da cultura digno de menção. De uma sociedade que deixa apodrecer seus museus, suas bibliotecas e seus monumentos culturais, bem como suas universidades e sua literatura, a fim de gastar dinheiro em automóveis, nada mais há para herdar senão uma montanha de sucata. Os conservadores, que no passado ao menos eram educados pelos clássicos, hoje fundam seu próprio conservadorismo em Hollywood. Mesmo suas mansões deveriam ser desapropriadas para afastá-las da paisagem e não ferir os olhos humanos. Se o analfabetismo secundário é verificado nos altos círculos, que cultura restaria ainda para ser transformada? Querer tornar acessível ''a todos'' os hábitos de alimentação, de leitura ou de vida em geral dos ''upper ten'' acabariam por difundir a mais absoluta insipidez.

Mas _e a cultura de massas? Ela não poderia conter conteúdos emancipatórios? Poderia, mas não os possui atualmente. Não é preciso que haja sempre a formação clássica engomada. As histórias em quadrinhos também podem mobilizar humor e verdade. O problema não é a cultura de massas como tal, mas o fato de seu conteúdo esgotar-se na forma comercial. Os meios técnicos não são indepedentes das relações sociais em que se manifestam. Nesse sentido, a discussão atual sobre a cultura de massas pós-moderna lembra a controvérsia entre Adorno e Walter Benjamin nos anos 30 e 40. Adorno via nas novas técnicas de reprodução artísticas (o filme, por exemplo) sobretudo uma nova maneira da expropriação intelectual e cultural das massas, no que respeita a toda percepção autônoma e crítica do mundo; as pessoas, por meio do poder da oferta capitalista, seriam degradadas como nunca a consumidores passivos. Benjamin, pelo contrário, entrevia nas técnicas do filme a possibilidade de uma ampliação de capacidades sensíveis e cognitivas do público.

No entanto, nem Adorno argumentava contra a nova técnica de reprodução como tal nem Benjamin queria tratar somente do aspecto técnico. Antes, ele via na ''participação consciente das massas'' nas novas técnicas culturais, por intermédio das formas de ''apercepção coletiva'', uma possibilidade emancipatória, cujo pano de fundo social era formado pelo movimento operário da época. A ''estetização fascista da política'' deveria ser respondida com a ''politização socialista da arte''. Mas, após a Segunda Guerra Mundial, o capitalismo encontrou uma terceira possibilidade: a individualização comercial de toda vida, inclusive da política e da cultura. O televisor foi o início de uma nova cultura dos ''indivíduos isolados'', que hoje desemboca na ''estética da existência'' pós-moderna e individual, com suas ''tecnologias do eu'' (Foucault) capitalistas, varridas de toda a esperança emancipatória. Hoje, são assassinos em série e criminosos de renome que executam à perfeição a estética pós-moderna.

O capitalismo, na verdade, nunca teve uma cultura própria, pois ele nada mais representa que o vazio bocejante do dinheiro. Em termos artísticos, isso foi inconscientemente representado por K.S. Malévitch, já antes da Primeira Guerra Mundial, com o seu célebre ''Quadrado Negro''. Depois disso, só puderam surgir diversos epílogos. O que apareceu como cultura capitalista foram sempre traços de cultura pré-moderna, que se converteram aos poucos em objetos de mercado, ou formas de protesto cultural contra o próprio capitalismo, que igualmente foram adaptadas para os fins comerciais. Hoje o capitalismo devorou tudo, ocupando-se agora em digeri-lo ou transformá-lo em lixo. Com isso, a modernidade chegou ao fim de suas possibilidades, justamente porque não há mais protestos.

O pós-modernismo imagina ser capaz de, ecleticamente, tornar disponível toda a história da cultura para si próprio (''anything goes''); na verdade, ele apenas remexe desesperadamente os depósitos de lixo e os excrementos do passado capitalista, para talvez ainda encontrar restos para a ''reciclagem'' cultural. Pode ser que justamente tal reciclagem pós-moderna, com sua simulação pop de um ''bom humor'' superficial, exija aquela versão reacionária do apocalipse, segundo a qual não poderá mais surgir um novo mundo das ruínas do antigo. Esperança existiria apenas num novo movimento social de massas que se apropriasse dos potenciais emancipatórios latentes das modernas técnicas de reprodução e os voltasse contra sua forma comercial.
Publicado na Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 11.01.1998 com o título Os bobos da corte do capitalismo. Tradução de José Marcos Macedo. Original alemão Apocalypse Now! disponível em
Deutsch http://obeco.planetaclix.pt/rkurz14.htm

09 agosto 2008

15 julho 2008

A ARTE DO MOTOR . Paul Virilio
Tradução de Paulo Roberto Pires . Estação Liberdade, 1996, pg 91-96

A questão da técnica é inseparável da do lugar da técnica. Da mesma forma que é impossível apreender a NATUREZA, sem abordar ao mesmo tempo a questão do TAMANHO NATURAL, tornou-se inútil falar do desenvolvimento das tecnologias, sem se perguntar imediatamente sobre a dimensão, o dimensionamento das novas técnicas.
Depois da superestrutura e da infra-estrutura ontem, pode-se prever a partir de então um terceiro termo, a intra-estrutura, já que a recente miniaturização nano-tecnológica favorece agora a intrusão fisiológica, ou mesmo a inseminação do ser vivo pelas biotecnologias.
Depois de, já há muito tempo, ter contribuído para a colonização da extensão geográfica do corpo territorial e da espessura geológica de nosso planeta, o recente desenvolvimento das ciências e das tecnologias chega hoje à progressiva colonização dos órgãos e das vísceras do corpo animal do homem; a invasão da microfísica concluindo a da geofísica. Última figura política de uma domesticação em que, depois das espécies animais geneticamente modificadas e das populações humanas submetidas em seus comportamentos sociais, o que começa agora é a época dos componentes íntimos.

Efetivamente, hoje o lugar das técnicas de ponta não é mais tanto o ilimitado do infinitamente grande de um ambiente planetário ou espacial, mas o infinitamente pequeno de nossas vísceras, das células que compõem a matéria viva de nossos órgãos.

A perda, ou mais exatamente o declínio do espaço real de toda extensão ( física ou geofísica) em benefício exclusivo da ausência de intervalo das tecnologias do tempo real resulta inevitavelmente na intrusão intraorgânica da técnica e de suas micromáquinas no seio do que vive.
Efetivamente, o fim do primado das velocidades relativas do transporte mecânica e a emergência da súbita primazia da velocidade absoluta das transmissões eletromagnéticas liquidam, com a extensão e a duração do “mundo próprio”, o privilégio ontológico do corpo INDIVI, este “corpo próprio” que sofre por sua vez o ataque das técnicas, a fratura molecular e a intrusão das biotecnologias capazes de povoar suas entranhas.Dessa forma, a miniaturização dos motores, dos emissores-receptores e de outros microprocessadores está, neste fim de milênio, no cerne da questão da técnica e, portanto, do DESIGN PÓS-INDUSTRIAL.
Desde a revolução industrial, e daquela provocada pelas revoluções instantâneas da era dos grandes meios de comunicação de massa, começa a gora a última das revoluções, a dos TRANSPLANTES, o poder de povoar, digo, de alimentar o corpo vital com técnicas estimulantes, como se a física (a microfísica) se prestasse a concorrer a partir de então com a química da nutrição e com os produtos dopantes...

Desde a noite dos tempos, o desenvolvimento da técnica se dá em direção ao horizonte terrestre e à superfície dos continentes, com a invenção dos sistemas hidráulicos, dos canais e das pontes e aterros; megamáquinas das quais as empresas ferroviárias e rodoviárias deveriam ser a realização plena graças ao equipamento das cidades, com as linhas elétricas ou o cabeamento completando o que a revolução do deslocamento físico já havia conseguido, e nos preparamos agora para equipar a espessura do que vive com micromáquinas suscetíveis de estimular eficazmente nossas faculdades, o inválido equipado para superar sua deficiência transformando-se subitamente em modelo para o válido superequipado com próteses de todos os tipos.
É preciso portanto nos rendermos às evidências. Se antes a invenção da nutrição e dos diferentes hábitos alimentares resultou em uma “arte de viver” e de permanecer, graças à inovação do sedentarismo agrícola e, mais tarde, urbano, hoje a renovação das práticas nutricionais pela ingestão não somente de excitantes e de estimulantes químicos, mas também de estimulantes técnicos, irá logo favorecer uma mutação comportamental que não deixará de agir sobre o habitat. O METADESIGN dos costumes e dos comportamentos sociais pós-industriais toma o lugar do DESIGN DAS FORMAS DOS OBJETOS da era industrial.

Lembremo-nos das declarações de Nietzsche, no fim de sua vida, em Ecce Homo: “Uma questão me interessa muito mais, e da qual o estatuto da humanidade depende bem mais que de não sei que curiosidade de teólogos: a questão da nutrição. Podemos formulá-la assim: como você deve alimentar-se para alcançar seu máximo de força, de virtude?”(1) A esta pergunta, as tecnociências começam a dar a sua resposta. Depois da ingestão de alimentos reconstituintes, frutos da agricultura, preparam para nos fazer digerir, nos alimentarmos de produtos dopantes de todas as origens, não somente químicos com a voga dos excitantes modernos _ como o álcool, o café, o fumo, a droga, os anabolizantes _ mas também técnicos como os produtos da biotecnologia, as pastilhas inteligentes, capazes, diz-se, de superexcitar nossas faculdades mentais. Vejamos o que escreveu, em 1838, Honoré de Balzac, antecipando em meio século as intuições de Nietzsche: “Todo excesso se baseia em um prazer que o homem quer além das leis ordinárias promulgadas pela natureza. Quanto menos a força humana é ocupada mais ela tende ao excesso. O que ocorre a partir daí é que, quanto mais as sociedades são civilizadas e tranqüilas, mais elas optam pelo caminho do excesso_ para o homem social, viver é gastar-se mais ou menos rapidamente”(2).

Não se pode descrever melhor o estado dos lugares de nossa pós-modernidade onde os superexcitantes são o prolongamento de uma sedentariedade metropolitana em vias de generalização acelerada, notadamente graças a essa teleação que substitui doravante a ação imediata... A inércia, a passividade do homem pós-moderno exige um acréscimo de excitação, não somente através das práticas esportivas abertamente desnaturalizadas, mas também no caso de atividades cotidianas em que a emancipação corporal devida às técnicas de teleação em tempo real liquida as necessidades tanto de vigor físico quanto de esforço muscular.
Finalmente, a invenção do marca-passo cardíaco, capaz de reproduzir, de suplantar o ritmo da vida, foi um dos pontos de partida desse tipo de inovações bio-tecnológicas. Depois dos “xenoimplantes” de órgãos animais, temos agora os “tecnoimplantes”, a mistura do técnico e do vivente, a heterogeneidade orgânica não sendo mais e de um corpo estrangeiro acrescentado ao próprio corpo de um paciente, mas a de um ritmo estrangeiro suscetível de fazê-lo vibrar em uníssono com a máquina.
Como supor, a partir de então, que as coisas continuam na normalidade? Que esta súbita superexcitação do ritmo cardíaco por uma prótese não se prolongará amanhã por novos excessos, pela invasão de outros procedimentos de aceleração de biorritmos julgados excessivamente lentos?
Efetivamente, trata-se da realização, quase um século depois, do sonho dos futuristas italianos: o corpo do homem integralmente alimentado pela técnica graças à miniaturização das “máquinas-micróbios” invisíveis ou quase, guardando entretanto uma diferença fundamental na ordem de grandeza da velocidade, já que não se trata mais, como esperava Marinetti, de rivalizar com a aceleração dos motores transformando o corpo-locomotor do indivíduo no equivalente da locomotiva ou de uma turbina elétrica cujas velocidades relativas soa ultrapassadas _ mas antes de tentar aparelhar o corpo humano para torná-lo contemporâneo da era da velocidade absoluta das ondas eletromagnéticas. O emissor-receptor em tempo real sucederá, a partir de então, ao motor superpossante suscetível de percorrer rapidamente o espaço real dos territórios.

Lembremo-nos que, desde a origem da vida, a corrida é eliminatória: eliminatória para o predador capaz de alcançar sua presa mais rapidamente, igualmente eliminatória para as sociedades humanas incapazes de desenvolver a aceleração de sua produção e distribuição. Ora, nessa corrida, a concorrência selvagem elimina não somente o adversário (o animal excessivamente lento) mas também eliminam-se elementos de seu próprio corpo. Por exemplo, perde-se peso para ficar em forma, emagrece-se para melhorar os reflexos, os sinais nervosos... mas ao mesmo tempo elimina-se o território natural tornando-o mais “condutor” e retilíneo, é a invenção da INFRA-ESTRUTURA do estádio, do hipódromo ou do aeródromo, o espaço real do lugar da corrida tornando-se subitamente o produto do tempo real de um trajeto.
Dessa forma, o “corpo territorial” é, a exemplo do corpo animal do corredor ou do atleta, rigorosamente configurado, talvez integralmente reconstituído pela velocidade. Velocidade relativa de um deslocamento físico ontem, velocidade absoluta das transmissões microfísicas hoje, velocidade limite, verdadeira BARREIRA DA LUZ _ depois das do som e do calor_ em que a corrida, a concorrência vital, irão sofrer uma espécie de transmutação.
Uma vez que a escala de grandeza da aceleração atingiu o patamar insuperável (segundo a lei da relatividade) dos 300 mil quilômetros por segundo, perseguiremos agora a eliminação no interior da própria matéria viva, reconstituindo dessa vez a dinâmica vital, fagocitando o vivo, a própria vitalidade do sujeito. Não iremos mais somente provocar o desenvolvimentos dos músculos ou a flexibilidade das articulações através de exercícios rítmicos e dos produtos anabolizantes, mas estimular as funções nervosas, a vitalidade da memória ou da imaginação, promovendo uma reestruturação das sensações através de novas práticas mnemotécnicas.
Neste estado da história, a concorrência eliminatória suprime não mais o peso, para tornar o copo mais ágil e portanto mais apto à corrida, mas modifica os ritmos vitais, ocupa até mesmo os vazios do espaço intra-orgânico do sujeito acrescentando órgãos suplentes.
Marvin Minsky glorifica esse tipo d reconstrução fisiológica:Isso significa que você pode ter, dentro de seu crânio, todo o espaço que quiser para implantar sistemas e memórias adicionais. Então, pouco a pouco, você poderá aprender mais a cada ano, acrescentar novos tipos de percepção, novos modos de raciocínio, novas formas de pensar ou imaginar”(3).

Desta forma, o META-DESIGN das neurociências não se condiciona a encontrar uma forma da estrutura ou da infra-estrutura de um “objeto” industrial, mas regenera os impulsos dos neurotransmissores de um “sujeito” vivo, realizando desde então uma espécie de ergonomia cognitiva, último tipo de conexão neuroléptica que se poderia chamar de INTRA-ESTRUTURA do comportamento.
Lembremos, a propósito, uma evidência desconhecida resultante do declínio do primado da extensão do espaço geográfico em prol da extensão, recente, da ausência de duração do tempo cronográfico _ tornar o corpo e sua energia vital contemporâneos da era das tecnologias da transmissão instantânea é abolir, em um mesmo movimento, a distinção clássica entre o interno e o externo, em benefício de um último tipo de centralidade, ou mais exatamente, de hipercentralidade, a do tempo, de um tempo “presente”, para não dizer “real”, que suplanta definitivamente a distinção entre a periferia e o centro, como o comprimido contra o sono suprime a alternância entre o estar desperto e o repouso reparador.

Se antes, estar presente era estar próximo, fisicamente próximo do outro, em um face-a-face, um frente-a-frente em que o diálogo se torna possível através do alcance da voz ou do olhar, o advento de uma proximidade midiática fundada nas propriedades do domínio das ondas eletromagnéticas parasita o valor de aproximação imediata dos interlocutores, esta súbita perda de distância ressurgindo sobre o “estar-lá”, aqui e agora. Se a partir de então pode-se não somente agir, mas ainda “teleagir” _ ver, ouvir, falar, tocar ou ainda sentir à distância (4) _ surge a possibilidade inaudita de um desdobramento da personalidade do sujeito que não saberá deixar intacta por muito tempo a “imagem do corpo”, ou seja, a PROPRIOCEPÇÃO do indivíduo... Cedo ou tarde, esta íntima percepção da massa ponderável perderá qualquer evidência concreta, liquidando em um mesmo ato a clássica distinção entre o “de dentro” e o “de fora”. O hipercentro do tempo real do mundo próprio _ EXOCENTRAMENTO_ perdendo todo e qualquer sentido a noção essencial de ser e de agir, aqui e agora.

(1)Ecce Homo Ed. Brasileira com tradução de Paulo César Souza, Max Limonad, 1985
(2)Traité de excitants modernes, Castor Astral, 1992, p 22-23
(3)Art Press, número especial:”Nouvelles Technologies”, 1991
(4)Os primeiros captadores olfativos acabam de ser produzidos



29 maio 2008

CIBER CIDADES
















... "Para Barbero, as cidades pós-industriais estão passando por transformações tecno-operativas importantes com a advento das novas tecnologias de comunicação, caracterizando-se por um movimento crescente de desterritorialização dos mundos simbólicos e esfacelamento de fronteiras entre o arcaico e o moderno, entre o local e o global, a cultura letrada e a audiovisual. Estas transformações repercutem nas formas do estar-junto nas cidades contemporâneas, abrindo o espaço para que estas entrem em "acelerados processos de modernização urbana e os cenários de comunicação que, em suas fragmentações e fluxos, conexões e redes, apresenta a cidade virtual" (Barbero, 1996, p. 27).
Entramos no paradigma informacional que substitui o paradigma comunicacional. O novo paradigma está centrado sobre o conceito de fluxos, no mesmo sentido tomado por Castells. Existe assim, neste espaço de fluxo, três fatores: a des-espacialização, o descentramento e a des-urbanização. O primeiro refere-se à ênfase no tempo das trocas, no fluxo de informações que transforma os lugares em espaços de fluxos. O segundo, que se refere a perda do centro, significa que, no espaço de fluxos, todos os lugares são equivalentes, acarretando a desvalorização de lugares antes tidos como centrais, como praças, monumentos ou ruas. O terceiro fator lida com à perda cada vez maior de uso da cidade pelos cidadãos. Isso significa que o fluxo pelas ruas, praças, avenidas e monumentos se fazem, agora, na lógica da consumação e do trabalho, fazendo com que os cidadãos fujam do caos urbano, seja refugiando-se em espaços paradisíacos privados (shoppings, condomínios fechados, guetos), seja fugindo para espaços periféricos dos grandes centros.
É nesta trilogia de efeitos que devemos pensar o surgimento das ciber-cidades, já que é neste espaço de fluxos, forma predominante de trocas na sociedade de informação na cibercultura, o terreno para o crescimento das cidades digitais, embora, como vimos, ela não deva ser pensada em oposição àquela ancorada nos espaços de lugares, bem ao contrário. Para Castells este espaço de fluxos "está tornando-se a manifestação espacial dominante de poder e função em nossas sociedades" (Castells, 1996, p.378), o que aumenta a responsabilidade social na implementação de ciber-cidades. Estas podem ser vistas como a atual integração de localidades e regiões nas emergentes redes telemáticas mundiais. Não é à toa que os grandes portais e sites informativos têm, em suas paginas, links para ciber-cidades com informações as mais diversas sobres as cidades reais. Instituições governamentais e privadas participam ativamente da construção de sites que forneçam informações sobre elas mesmas e as cidades as quais pertencem.
Para Barbero, as ciber-cidades apontam para esta nova forma de vida nas cidades reais. Estas são, desde sempre, construção de espaço concreto, mas também, de espaço comunicacional que refaz o espaço construído: "na cidade dos fluxos comunicativos contam mais os processos que as coisas, a ubiqüidade e instantaneidade da informação ou da decisão via telefone celular ou fax a partir do computador pessoal, a facilidade e rapidez dos pagamentos ou a aquisição de dinheiro pelos cartões" (Barbero, 1996, p.33).
As ciber-cidades atendem assim, ao crescimento da insegurança social, a instalação de não lugares e ao fluxo comunicativo crescente, transformando-se em uma espécie de salvação das cidades reais, onde predomina o espaço de lugares. Elas podem ainda facilitar, pelo anonimato, que os indivíduos liberem-se de todo constrangimento identitário e possam aproveitar a desterritorialização de suas subjetividades onde estar em casa não significa estar isolado do mundo, podendo flanar pelo ciberespaço e entrar em contato com o outro. Sabemos que toda cidade é construída a partir de fluxo de informação mas, pela primeira vez, o fluxo de informação numérica por redes telemáticas planetárias influenciam a configuração das trocas sociais e comunicativa nas cidades. Como afirma Castells, "a cidade global não é um lugar, mas um processo. Um processo pelo qual centros de produção e consumo de serviços avançados, e as sociedades locais subordinadas a ele, é conectado em uma cadeia global (...) na base de fluxos de informação." (Castells, 1996, 386). Castells chama a atenção também para o fato de que a emergente troca de informações telemáticas potencializam uma separação entre as relações no espaço e aquelas na rede, como por exemplo as várias funções exercidas na vida cotidiana, como trabalhar, comprar, se educar ou mesmo se divertir. No entanto, o sociólogo espanhol mostra que em nenhum momento esta dissociação pode ser interpretada como esvaziamento da cidade real em função da separação e isolamento de seus indivíduos. Muito pelo contrario, as trocas tenderiam a aumentar, no espaço físico, os problemas como a circulação de pessoas. Os problemas de transportes tenderiam mesmo a se agravar, já que, pelo impacto das novas tecnologias na vida cotidiana, as pessoas estariam liberadas do confinamento espaço-temporal em escritórios, agências de burocracia, bancos ou supermercados. Mesmo o teleshopping poderá substituir a compra atual por catálogos, mas não a ida de pessoas à shopping centers ou mercados comunitários.
Neste sentido, a construção de ciber-cidades pode potencializar, além de trocas entre os que estão distantes, por via telemática, o contato e a troca em espaços físicos concretos.

... As ciber-cidades devem potencializar trocas entre seus cidadãos e a ocupação de espaços concretos da cidade real, ao invés de ser uma simples substituição. O espaço de fluxos complexifica o espaço de lugar das cidades. Como afirma Castells, "como outras atividades da vida quotidiana, ele suplementa ao invés de substituir áreas comerciais" (Castells, 1996, 396). Estamos longe do fim das cidades, embora as cidades reais estejam em crise desde o surgimento da modernidade industrial. A cidade-mundo da era da informação é, como afirma Castells, mais um processo do que uma forma urbana concreta, presa entre muros e asfalto. "
Trecho do artigo CIBER-CIDADES de André Lemos


CIBERESPAÇO

...Willian Gibson (1991), em seu livro "Neuromancer", foi o primeiro autor a utilizar o termo para designar este ambiente artificial, onde dados e relações sociais trafegam (ou navegam?) indiscriminadamente. Para ele, o conceito de ciberespaço é o de um espaço não físico ou territorial no qual uma alucinação consensual pode ser experimentada diariamente pelos usuários.
O ciberespaço é a "MATRIX", uma região abstrata invisível que permite a circulação de informações na forma de imagens, sons, textos etc. Este espaço virtual está em vias de globalização planetária e já constitui um espaço social de trocas simbólicas entre pessoas dos mais diversos locais do planeta. Cabe lembrar que a dinâmica imaterial do ciberespaço é apoiada no avanço das forças produtivas do sistema capitalista, na sua busca incessante de aumentar a velocidade de rotação do capital e das transações mercantis e financeiras em escala planetária e é também resultante das tecnologias voltadas para a Guerra, como a Internet.
Para tanto, todo um investimento em tecnologia de informação se apresenta. As grafias deixadas pelas técnicas no atual estágio de produção social do espaço se expressam nos sistemas de satélites, cabos de fibra ótica, teleportos, redes de computadores com inovações constantes em softwares, hardwares etc. Atualmente, o ciberespaço pode ser compreendido a partir de duas perspectivas:
1) como via expressa de informação através da conexão de computadores em rede e
2) como realidade virtual.
Para que se possa ter acesso à via expressa de informação, é necessário que sejam estabelecidas as "condições ambientais" do ciberespaço. O ambiente construído é a expressão material que permite conexão com um novo sistema de relações sociais.
Tais condições só nos são possíveis a partir de um arranjo espacial que inclui o computador, monitor, teclado, mouse, linha telefônica, provedor de acesso, redes telemáticas e outros meios eletrônicos capazes de nos conectar com o ciberespaço. Estas formas estáticas, aos quais estamos fisicamente ligados, nos transportam, através da virtualidade, para um mundo onde prevalecem as nossas sensações. A experiência de tempo e espaço não existe "nas coisas visíveis do ciberespaço", mas aparece somente na zona do subjetivo. Desse modo, o ciberespaço é uma veleidade, no sentido de abrir alguma possibilidade de enfoque idealista da materialidade social da sociedade moderna.
Para que possamos prosseguir se faz necessário esclarecer o que entendemos por "realidade virtual". Trata-se, claramente, de uma revolução. Uma alteração radical na forma de conceber o tempo e o espaço, e mesmo os relacionamentos. Segundo Pierre Levy (1996, p.16)," o virtual não se opõe ao real e sua efetivação material, mas sim ao atual". Filosoficamente, o virtual é entendido como o que existe em potência e não em ato. O virtual é extensão do real, ou seja, é um real latente. As imagens virtuais fazem mediação da realidade. O tempo instantâneo e o espaço virtual são os novos vetores que se inserem e se articulam ao ambiente construído pela sociedade em rede telemática.

Trecho do artigo 'A geograficidade do ciberespaço'
Prof. Dr. Carlos Alberto F. da Silva / Profª. Msc. Michéle Tancman Candido da Silva

04 maio 2008

A CASA DA CASCATA 
Frank Lloyd Wright
Considerada uma das mais famosas casas do mundo, a Casa da Cascata (em inglês: Fallingwater house) ou Casa Kaufmann (nome da família de seu primeiro proprietário) é uma residência localizada perto de Pittsburgh, no Estado da Pensilvânia nos Estados Unidos. Foi construída em 1936 e projetada pelo arquiteto Frank Lloyd Wright, figura chave da arquitetura organica, um desdobramento da arquitetura moderna, que se contrapunha ao ‘international style’ europeu.


Originalmente utilizada como residência de veraneio da família, a casa hoje é um museu. O proprietário era o homem de negócios Edgar Kaufmann, cujo filho Edgar Jr. foi aluno de arquitetura de Wright. Foi construída em meio a um bosque, no interior de uma propriedade da família. Sua principal característica, no entanto, é o fato de ter sido erigida sobre uma pequena queda d'água, utilizando-se dos elementos naturais ali presentes (como as pedras, vegetação e a própria água) como constituintes da composição arquitetônica. Assim como várias outras obras de Wright, foi construída com materiais experimentais para a época.


19 fevereiro 2008

Habitações de baixo custo mais sustentáveis: a casa Alvorada e o Centro Experimental de tecnologias habitacionais sustentáveis




Autor Miguel Aloysio Sattler
Coleção Habitare,
volume 8
ANTAC Porto Alegre, 2007
488 p. ilustrado
ISBN 978-85-89478-22-9






Este livro reúne o histórico e os princípios norteadores dos estudos sobre construções e projetos mais sustentáveis desenvolvidos por integrantes do Núcleo Orientado para a Inovação na Edificação (NORIE), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS ).

Além de apresentar o Núcleo e sua linha de pesquisas em Edificações e Comunidades Sustentáveis, aborda o conceito de sustentabilidade, seu caráter holístico, interdisciplinar e sistêmico.

É uma obra que destaca a importância de que a moradia seja projetada e construída de acordo com a ótica, a ética e a estética da sustentabilidade.Trata, detalhadamente, de duas experiências do Núcleo: o Projeto Casa Alvorada e o Projeto CETHS – Centro Experimental de Tecnologias Habitacionais Sustentáveis. Financiadas pelo Programa de Tecnologia de Habitação (Habitare), da Finep, e pela Caixa Econômica Federal, entre outras instituições, estas pesquisas levaram ao desenvolvimento de um conjunto de dissertações, artigos científicos e trabalhos finais de disciplinas, que em parte são documentados neste livro.
Como é rara a bibliografia sobre projetos habitacionais mais sustentáveis em língua portuguesa, sendo ainda mais limitadas aquelas associadas à habitação de interesse social, trata-se de referência para professores, estudantes e profissionais interessados no tema.

saiba mais....
http://www.habitare.org.br/pdf/publicacoes/arquivos/colecao9/livro_completo.pdf
 
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