14 dezembro 2008

LUGAR, NÃO LUGAR E CIBERCIDADES: A QUESTÃO DA IDENTIDADE

É preciso conhecer a realidade para saber como nela atuar. Neste tempos pós-modernos a rapidez das mudanças tem gerado alterações significativas na realidade.
Estudar e entender o processo de convivência das cibercidade e da cidade real é umdesafio, no sentido de que:
1º. O indivíduo possa entender a sua realidade;
2º. O indivíduo possa se situar em sua realidade;
3º. O indivíduo possa capitalizar os benefícios dos avanços (tecnológicos, informacionais, cibernéticos, etc...) em prol da sociedade da cidade real
.

O advento de novas tecnologias de comunicação, desenvolvimento tecnológico e informacional e o surgimento de novos campos de pesquisa como a Nanotecnologia, Manipulação Genética, Inteligência Artificial, Neurociência vem gerando neste início de século, transformações importantes nas cidades pós-industriais, “caracterizando um movimento crescente de desterritorialização dos mundos simbólicos e esfacelamento de fronteiras entre o arcaico e o moderno, entre o local e o global, a cultura letrada e a audiovisual (Barbero, 2003).

Surge um novo domínio, o ciberespaço “um espaço relacional capaz de colocar em contato, através de técnicas de comutação eletrônica, pessoas do mundo todo, portanto é um espaço midiático de comunicação e compartilhamento”. (Lemos, 2002) Com o ciberespaço, a partir dos anos 70, surgem as cidades digitais, as cibercidades, consolidando-se, no transcorrer da última década, com a difusão da Internet _ o mais poderoso meio transnacional de comunicação interativa.

Neste contexto, conforme apresentado por Castells, as cidades deixam de ser um local: "Defenderei que, por causa, da natureza da sociedade baseada em conhecimento, organizada em torno de redes e parcialmente formada de fluxos, a cidade informacional não é uma forma, mas um processo, um processo caracterizado pelo predomínio estrutural do espaço de fluxos" (Castells, 1999, p. 423).

Para Lemos, as cibercidades são espaços urbanos cibernéticos, ou seja, são artefatos (como o são todas as cidades) digitais, fundando a partir de formas novas de fluxos comunicacionais e de transporte, por meio de ação à distância, uma nova instância de conviviabilidade, assim como de vida social e política; são formas espaço-temporais que se constróem pelo movimento: transporte e comunicação. Cidade e circuitos eletrônicos mantêm assim uma analogia que vai além da mera metáfora: ambas fazem circular (transporte) informação pelos mapeamentos de objetos e instrumentos provocando situações de comunicação.

O “lugar”_ como um lugar de identidade, relacional e histórico, carregado de significações pessoais, de memórias, de referências para a identidade pessoal ou grupal, com a cibercultura, se vê transformado, de agora em diante, em espaço de fluxo. E é substituído cada vez mais pelo “não lugar” _ espaços de anonimato, de não-memórias e de não-encontros.

Porém, não deixa de ser paradoxal que, enquanto existem cada vez mais “espaços de não-encontro”, existam paralelamente, em outra dimensão, cada vez mais “encontros sem lugar”, encontros em um espaço virtual, possibilitados pelo advento da Internet, e que constituem a modalidade contemporânea de relacionamento humano.

O cidadão passa a experimentar uma sensação de “abolição do espaço” e circula em um território transnacional, desterritorializado, no qual as referências de lugar e caminhos que ele percorre para se deslocar de qualquer ponto a outro modificam-se substancialmente.

A sociedade urbana contemporânea está submersa num mar de informações, modelos desencontrados, possibilidades alternativas, que a colocam em permanente confronto com suas próprias crenças e com os modelos de conduta que porventura já tenha internalizado. Encontra-se no estado de “multifrenia”, termo com o qual Gergen(1991) designa a condição humana nos contextos culturais da pós-modernidade: a identidade já não é vivenciada como una e estável, mas sim sujeita a uma multiplicidade de manifestações, por vezes díspares e inusitadas aos olhos de um observador externo. Em outras palavras, já não existe mais uma essência individual à qual a pessoa permanece fiel ou comprometida, mas “a identidade é continuamente emergente, re-formada e redirecionada na medida em que a pessoa se move num mar de relacionamentos em constante mudança” (p. 139). Todas as possibilidades estão abertas, a identidade passa a ser vista como potencialidade, virtualidade, possibilidade permanente de expressão de uma subjetividade multifacetada e contextual.

A falta de referentes estáveis de tempo e espaço, o rompimento com as tradições culturais e a perda do papel modelador e moderador da autoridade religiosa, expõem a indivíduo ao desafio de manter um frágil equilíbrio entre o seu núcleo de identidade pessoal – do qual são parte importante as memórias que lhe dão a sensação de ser um só, apesar de tantos – e as virtualidades, os simulacros, as novas formas de organização social.

Os referentes de espaço são fundamentais para o senso de identidade pessoal, e para a manutenção de um senso segurança ontológica. Diante das dramáticas mudanças por que passa a noção de espaço (e tempo) nas sociedades contemporâneas, é necessária a reflexão sobre os impactos que as novas ordenações espaciais têm sobre a noção de identidade. A realidade da “compressão do tempo-espaço”, “saturação social”, “não-lugares”, “ciberespaço”, traz profundas implicações para a expressão da identidade pessoal: “As ordenações simbólicas do espaço e do tempo fornecem uma estrutura para a experiência mediante a qual aprendemos quem ou o que somos na sociedade” (Harvey, 1992, p.198).

Até à Modernidade, o conceito de comunidade era baseado na proximidade geográfica. Atualmente, com a evolução que ocorreu principalmente nas últimas décadas, a comunidade é baseada na informação, na comunicação em rede, sendo a cultura a base da organização, desaparecendo a referência identitária a um lugar. Ou seja, na rede o indivíduo pode pertencer a um lugar que não existe, já que este se apresenta como simulacro.

Assim, as sociedades, que antes estavam enraizadas em seu território, e a isto estava relacionado o sentimento de pertencimento, passaram por um processo de “desterritorialização”. O mundo em rede torna as culturas acessíveis a todos, criando uma realidade onde as barreiras temporais e geográficas já não têm tanta importância. É o que Lemos chama de territorialidade simbólica. “Com o ciberespaço, as pessoas podem formar coletivos mesmo vivendo em cidades e culturas bem diferente. Criam-se assim territorialidades simbólicas” (Lemos, 2004). “Com as relações sociais a migrarem de um suporte físico para novos espaços virtuais, os cidadãos e as localidades estão cada vez mais a abstraírem-se de seu sentido geográfico e histórico, pois com o rompimento dos padrões espaciais através da interação com as redes, o “espaço dos fluxos” passou a substituir o ‘espaço dos lugares’”(Vidigal, 2002).

A ausência de uma localização geográfica, embora o ciberespaço funcione como espaço público fundamental para as comunidades virtuais, comprova que é a identificação com o outro que vai definir as comunidades. Enquanto na Modernidade esses grupos eram formados por pessoas que viviam em determinado território; agora, com o desenvolvimento é o indivíduo “desterritorializado” que adquire o poder de escolha, baseado em traços identitários comuns.

Essa nova dimensão espaço-temporal, de não- lugares, distancia-se cada vez mais da idéia clássica de sociedade. Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente”. Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades, dentre as quais parece ser impossível fazer uma escolha (Hall, 2001). As características que fazem com que o indivíduo sinta-se parte de determinada nação, tais como religião, sotaque e etc., tornam-se deslocadas, já que, no mundo pós-moderno, a cultura não pertence apenas a uma nação.

Na sociedade em rede, a cultura não tem pátria e a identidade passa a ser construída a partir da leitura que fazemos sobre determinado traço cultural, de que nos apropriamos. As comunidades virtuais serão formadas por indivíduos que buscam interesses comuns, traços de identificação, que nada mais são que o sentimento de pertencimento. Assim, o indivíduo é provido de liberdade para ser o que deseja e, logo em seguida, deixar de sê-lo quando quiser. Se na Modernidade os indivíduos possuem funções definidas e os grupos formam-se de forma contratual, na atualidade, as pessoas (personas) desempenham diversos papéis e como as comunidades _ também chamadas de tribos por Maffesoli (2006) _ baseiam-se em interesses comuns, essas funções modificam-se para constituir essas tribos afetivas.

A nova cultura em rede instala uma forma de ver o real, na qual a segregação emerge da seleção de diversos tipos de relações societárias que desejamos vivenciar. Na verdade, o ordenamento da cibercidade implica a sua partilha por diversas tribos que se juntam por laços de afetividade cultural, sexual, racial etc.

Nesse sentido, mais uma vez, podemos observar o virtual como extensão do real. A sociedade contemporânea da multimídia, da realidade virtual e das redes telemáticas, não é mais literária, individual e racional, mas simultânea, como diria McLuhan, presenteísta, tribal e estética como afirma Maffesoli (2006) e “simulacro” dela mesma como nos explica Baudrillard.

Na rede não há fronteiras para as práticas sociais das tribos eletrônicas; diversos grupos de pessoas se identificam e passam a ter uma relação afetiva com um espaço virtual, que é, de fato, o próprio espaço geográfico, só que na dimensão global. Segundo Maffesoli (2006), estaríamos assistimos hoje a passagem (ou a desintegração) do indivíduo clássico à (na) tribo. A erosão e o esgotamento da perspectiva individualista da modernidade é correlata à formação das mais diversas “tribos” contemporâneas (fenômeno mundial com grupos religiosos, esportivos, hedonistas, musicais, ambientalistas, tecnológicos, etc.). Através dos diversos “tribalismos” contemporâneos, a organização da sociedade cede lugar, pouco a pouco, à organicidade da socialidade, agora tribal e não mais racional ou contratual.

Porém, neste tempo pós-moderno, há ainda que se considerar um outro importante aspecto, vital para entendermos os dilemas que a cibersociedade poderá se defrontar: as novas convergências de tecnologias (Nanotecnologia, Biotecnologia, Tecnologia da Informação, Ciência Cognitiva) têm por objetivo promover a interação entre sistemas vivos e artificiais, na busca de novos dispositivos que sirvam para expandir ou melhorar as capacidades cognitivas e comunicativas dos seres humanos, sua saúde e capacidade física, sendo capazes de trazer modificações significativas na sociedade e no ambiente.

Chega-se mesmo a pensar no “renascimento da ciência”, numa nova era da ciência e da tecnologia resultante do agrupamento dessas áreas, e que poderá fazer diferença na sociedade do futuro: visões de próteses tão inteligentes que, em última instância, apenas o cérebro permanecerá orgânico no sentido hoje atribuído a esta palavra. Transplantes, próteses perfeitas de membros, chips implantados, clones humanos, saem progressivamente da ficção. Agreguemos o aumento da importância quantitativa e qualitativa da imagem e da virtualidade na guerra, na ciência, na tecnologia, na política, na economia, nas interações sociais e na construção de comunidades imaginadas (Ribeiro,1996). Defrontamo-nos com uma ampliação do universo dos simulacros e simulações, com outro regime de visualidade com suas implicações para as formas de perceber e representar o mundo, implicações com impactos que se estendem da formação da subjetividade à formação de coletividades.

Segundo Gustavo Lins Ribeiro, o impulso de ampliação, via tecnologia, da capacidade corporal e da mente, “coloniza cada vez mais nosso mundo, problematizando díades antes consideradas fixas e intransponíveis como natureza/cultura, orgânico/inorgânico, real/imaginário, criando ou exacerbando porosidades, trânsitos, fusões, novas relações entre os elementos destes pares”.

Como pano de fundo, vemos o capital que _ via biotecnologia _ alcançou a própria lógica da cadeia da vida, e _ via ciberespaço _ realiza seus desígnios de poder e acumulação no próprio universo virtual. “O homem, por assim dizer, tornou-se uma espécie de ‘Deus de prótese’. Quando faz uso de todos os seus órgãos auxiliares (os objetos por ele criados), ele é verdadeiramente magnífico; esses órgãos, porém, não cresceram nele e, às vezes, ainda lhe causam muitas dificuldades”. (Ribeiro, 1996)

A narrativa brinca permanentemente com a linha humano/nãohumano, ou melhor dito, a linha humano/humano-criado-pelo-humano como que a antecipar o futuro onde, de acordo com Rabinow, a nova genética “deixará de ser uma metáfora biológica para a sociedade moderna e, ao invés, se tornará uma rede de circulação de termos de identidade em torno da qual e através da qual um tipo verdadeiramente novo de autoprodução emergirá: a‘biosociabilidade’, onde a natureza será modelada na cultura entendida como prática.

A natureza será conhecida e refeita através da técnica e finalmente se tornará artificial, da mesma forma que a cultura se tornará natural. Se este tipo de projeto realmente vier à luz, representará a base para ultrapassar a divisão natureza/cultura” (Rabinow 1992).

Entre a dupla face utópica (paradisíaca) e distópica (apocalíptica) da tecnologia e da informática, num tempo em que surgem dois regimes de sociabilidade, a tecnosociabilidade e a biosociabilidade (o corpo agora pode ser engenheirado, reconstruído, reformatado, reconfigurado; sonhos de felicidade instantânea, vida eterna, convivem com temores de perda de memória, identidade, integridade e poder; somos ao mesmo tempo um produto da cultura e da biologia (Geertz 1978)), contrapõem-se:

1._ o entusiasmo que permeia propostas e intervenções tecno-racionais, apoiadas na maravilha que se levanta da ampliação das qualidades e ações humanas, na ideologia do progresso e de uma visão evolutiva da história da tecnologia;

2._ com o discurso distópico do conhecimento técnico e seus efeitos em relação às diversas formas de poder (administrativo, legal e físico), que se desdobram em imagens de governos repressivos, sociedades violentas, lugares desagradáveis, perda de referência para a identidade pessoal, invenções controladas por grupos específicos, enfim, uma visão pós-apocalíptica da sociedade industrial e das grandes cidades, sugerindo perspectivas pouco promissoras para as cidades contemporâneas.

Este é o estado das relações atuais entre o humano e sua perda de referências, a tal ponto que surgem termos como pós-biológico, pós-humano, pós-histórico para nomear este afastamento daquilo que nos definia. Talvez por isto as múltiplas possibilidades de presença tenham se tornado cotidianamente viáveis e o ciborgue apareça como um dos novos rostos desta identidade de fluxos, conexões maquínicas, identidades híbridas de posição como os novos espaços da teoria foucaultiana.

Assistimos a uma redefinição antropológica da condição humana, quando na contemporaneidade todos os processos humanos são coisificados pela hiperbiologização do homem e sua realidade é progressivamente mediada pela tecnologia.

No discurso tecno-científico contemporâneo há uma insatisfação ou um desconforto com o humano, levando-nos ao pós-orgânico, ao pós-humano, proporcionados por uma potencialidade de atividades. A visão do homem-máquina é cada vez mais acentuada, visando sua re-construção, sua re-modelação. Desta forma, entendemos que o conhecimento tecno-científico modifica a corporeidade dos seres humanos. É Foucault quem diz que o controle da sociedade se faz também pelo corpo e com o corpo, sendo a tecno-ciência o saber que produz poder.

Este novo horizonte tecno-científico coloca algumas questões de suma importância, como por exemplo, o futuro da espécie humana frente os avanços da biotecnologia e da engenharia genética, a nova representação humana frente ao desenvolvimento da tecnologia da informática e da comunicação, a vida humana em meio aos objetos técnicos.

Uma das possíveis atualizações do biopoder pode ser vista através das reflexões feitas por Paul Rabinow (2002), que discute as mudanças de nossas práticas de vida e éticas sociais com o avanço da biosociabilidade, gerada pelo esquadrinhamento genético possibilitado pelas novas tecnologias.

É incontestável que mudanças profundas estão ocorrendo nos âmbitos culturais, sociais, espaciais, a nível local, nacional, global. Mas, para Rabinow, as mudanças colocadas pelas novas tecnologias são apenas partes dessa situação confusa.

O autor considera a aparição da biosociabilidade como lugar primário da identidade: “uma biologização da identidade que não se assemelha às outras categorias preexistentes (como raça e gênero) no que compreendemos como manipulável e passível de aperfeiçoamento” (Rabinow, 1999).

Cabe notar que o conceito de biopoder proposto por Foucault volta a ser central nessa discussão, ainda que Rabinow insista que seja preciso repensar o que podemos caracterizar como bíos na modernidade, uma vez que já está claro que os novos conhecimentos sobre genômica implicarão mudanças radicais nos âmbitos social e político, mas o que ainda está pendente é como as mudanças referidas à bíos irão interagir com as velhas e as novas relações de poder.

O “quarto motor” de Paul Virilio (1996) _vai modificar totalmente a relação com o real, na medida em que permite duplicar a realidade através de uma outra realidade, que é uma realidade imediata, funcionando em tempo real, livre.

Portanto, o estudo da Cidade Contemporânea, resultante da integração da Cibercidade e da Cidade Tradicional é um estudo muito complexo, pois envolve inúmeras variáveis de diversas áreas de conhecimento, muitas das quais estão surgindo e se apresentando com o próprio desenvolvimento das TIC,Nanotecnologia, Inteligência Artificial,Manipulação Genética, Neurociências e para qualquer estudo todas estas áreas de expressão na vida cotidiana da cidade, devem ser consideradas como atuantes dentro desta nova realidade.

Como vem se dando e poderá se aprimorar a sinergia entre o espaço de fluxos planetário e o espaço de lugar das cidades “reais”, nesta nova sociedade cibernética?
tema pesquisado por arq. Annamaria H. De S. Pires


 
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