VALORES SIMBOLOS E SIGNIFICADOS DOS ESPAÇOS
Sóbrio, organizado e conservador: o escritório é a cara do dono?
Este artigo comenta uma pequena parcela das discussões travadas no âmbito da disciplina de pós-graduação “Arquitetura e Projeto do Lugar”, do PROARQ/FAU/UFRJ, e faz parte de um conjunto de pesquisas desenvolvidas pelo grupo Arquitetura + Subjetividade + Cultura (grupo ASC), no mesmo programa.
O artigo tem o objetivo de discutir os valores e significados atribuídos aos espaços, pela análise de como determinadas características de ambientes permeiam o imaginário das pessoas. A pesquisa que está na base deste trabalho procurou mostrar que cada elemento de uma arquitetura tem um valor simbólico que "fala" com o inconsciente do observador, fazendo-o elaborar uma imagem mental pré-concebida dos valores agregados ao determinado ambiente.
Espaços, objetos, percepção e cultura: um pouco de fundamentação teórica
Ao tomarem contato com um determinado ambiente construído, as pessoas recebem seus impactos primeiros a partir das sensações que geram nelas a percepção, etapa inicial de todo um processo de conhecimento do lugar (processo cognitivo).
Para Del Rio (2) a percepção é “um processo mental de interação do indivíduo com o meio ambiente, que se dá através de mecanismos perceptivos propriamente ditos e, principalmente, cognitivos”.
De fato, desde o primeiro contato com o ambiente, há uma inter-relação muito dinâmica entre nossos sentidos, nossa percepção, nossa memória, nossos valores culturais e o espaço em que estamos imersos. Sentimos, carregamos essas informações de significados e passamos a perceber, a re-avaliar o ambiente, para poder senti-lo de novo, num diálogo incessante. A realidade dirige ao homem estímulos sensoriais, que são captados pelos cinco sentidos. Após essa captação, entra em ação a racionalidade, onde atuam os diversos filtros, a motivação, a avaliação e a conduta do sujeito. Esse processo culmina numa organização mental onde a realidade percebida é representada por esquemas e imagens mentais.
Quando entramos numa sala, vemos seu mobiliário, cores, formas, padrões de luz, sentimos cheiros (como de flores sobre a mesa, ou do novo carpete, por exemplo), ouvimos sons ou ruídos que estão acontecendo ali, sentimos pelo tato a textura dos materiais.
A partir dessa nossa experiência juntamos todas as características que identificamos e construímos valores para esse espaço. Ainda, os objetos constantes naquele espaço serão observados e até mesmo o posicionamento (simétrico, não-simétrico etc.) dos elementos não ficará fora de nossa apreensão, mesmo que não tomemos consciência imediata disso.
Sem esse mecanismo não conseguiríamos reconhecer e diferenciar salas comerciais de residenciais, por exemplo, no momento que entramos nelas. E se diferentes pessoas de uma mesma sociedade atribuem significados semelhantes a determinados espaços construídos, é pelo fato de que essas pessoas compartilham as mesmas bagagens culturais.
Assim, compreende-se que, para reconhecermos um ambiente e conseguirmos imaginar ou supor a natureza da atividade que acontece ali, estamos fazendo uso dos valores simbólicos impregnados nos elementos desse espaço.
Baudrillard trabalha com a noção de que “não se trata, pois, dos objetos definidos segundo sua função, ou segundo as classes em que se poderia subdividi-los para comodidade da análise, mas dos processos pelos quais as pessoas entram em relação com eles” (3). Este autor considera que, a partir dessa relação, a leitura de diferentes objetos pode acontecer através da compreensão sobre o simbolismo que emerge dos aspectos desse objeto como materiais, formas, cores, proporções e tamanhos e não necessariamente do objeto em si.
Por outro lado, os significados simbólicos dos espaços fazem sentido somente para aqueles que, por estarem imersos numa cultura e numa lógica própria de significados, entendem os códigos desse simbolismo.
Desta forma, compreende-se que, ao penetrar num ambiente arquitetônico, um indivíduo desencadeará tal processo mental em frações de segundo num vai-e-vem repentino que engloba o processo cognitivo e de análise filtrada por componentes culturais armazenados em sua memória, sendo capaz, em alguns instantes, de emitir suas primeiras impressões ("que lugar agradável, aconchegante..." ou "não gostei daqui, parece uma loja cara: vou ser esnobado... vou embora já!").
Partindo da idéia de que o valor pessoal confere significado ao espaço, definido por Rapoport (18), talvez possamos dizer que o inverso pode acontecer num escritório de advocacia ou em outros tipos de espaço, ou seja, os valores associados aos elementos que compõem o espaço emprestam significado a quem o ocupa.
O conceito simbólico gerado pelos elementos do ambiente se estende, ou pelo menos influencia, a imagem de quem utiliza o espaço.
Um estudo de caso: escritório de advocacia
Assim, a relação cultural que tais elementos têm com tradição, conhecimento, ciência, ordem e respeitabilidade, seriedade, a partir dos conceitos de Baudrillard, pode estar associada ao perfil profissional de um advogado bem qualificado, como se no imaginário das pessoas esses elementos e um ótimo advogado fossem expressões diferentes para o mesmo conjunto de conceitos. E o fato do escritório de um advogado apresentar o maior número desses elementos marcantes para a construção desse imaginário faz com que mais esse escritório “pareça” de advocacia. E talvez os advogados busquem ir ao encontro desse imaginário não para satisfazer essa expectativa, mas para promoção e valorização de sua imagem profissional, também numa gradação de quanto mais próximos desse modelo cultural mais seu conceito profissional com as pessoas se aproxima do ideal.
Assim, através do estudo do imaginário associado ao escritório de advocacia pudemos perceber que o espaço possui seus próprios valores e significados culturalmente reconhecidos pelas pessoas que compartilham os mesmos códigos simbólicos e esses conceitos se estendem aos outros tipos de espaço.
A percepção do espaço
Vimos que a percepção do espaço passa pela interpretação da imagem simbólica dos elementos que o compõem. Como profissional produtor de espaços, o arquiteto projeta para as pessoas que utilizarão esses espaços, influenciando diretamente na percepção que seus usuários terão de seu trabalho.
Homem e ambiente convivem num processo de interdependência mútua, criando uma ligação íntima entre os processos psicológicos de percepção do espaço e os processos de criação desse espaço. Ainda, a maneira pela qual o homem modifica o ambiente e se deixa modificar por ele é hoje um tema de muita relevância, pois os espaços são expressões culturais do homem (19) ao mesmo tempo em que são suportes espaciais para a construção de sua identidade. Assim, parece-nos de extrema importância que o arquiteto compreenda como os elementos simbólicos participantes do espaço têm influência no que as pessoas percebem dele.
Cristiane Rose Duarte, Alice Brasileiro, Viviane Cunha e Ana Paula Simões
artigo completo.... http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp356.asp
veja ainda sobre o tema 'posts'
dia 08 out 2009 . 'arquitetura subjetividade e cultura'
dia 18 out 2006 . 'antropometria'
bibliografia sobre o tema
DEL RIO, Vicente. “Cidade da mente, cidade real: percepção ambiental e revitalização na área portuária do RJ. In: DEL RIO, Vicente; OLIVEIRA, L. (org). Percepção ambiental. São Paulo e São Carlos, Studio Nobel / Editora da UFSCar, 1996, p. 3-22 (p. 3).
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. 3ª ed. São Paulo, Perspectiva, 1997, p. 11.
RAPOPORT, Amos. Human aspects of urban form. Oxford, Pergamon, 1977.
SPRADLEY, James P. Participant observation. New York, Holt, Rinehart and Winston, 1980, p. 3.
apud HALL, Edward T. A dimensão oculta. 2ª ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977.
MACHADO, Lucy. “O estudo da paisagem: uma abordagem perceptiva”. Revista de Geografia e Ensino, UFMG, Belo Horizonte, 1988, p. 37-45 (p. 44).
DURAND, Yves. Le test archétipal des neuf élements. Bruxelles, Cahiers de Symbolisme n. 4., 1963.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes tropiques. Paris, Plon, 1955
BAUDRILLARD, Jean. Op.cit., p. 45.
JUNG, Carl Gustav. Métamorphoses et symboles de la libido. Paris, Montaigne, 1932, p.145
DURAND, Gilbert. Les stuctures anthropologiques de l´imaginaire. Paris, Dunod, 1992 (1ª ed., Bordas, 1969), p.151.
RAPOPORT, Amos. Pour une anthropologie de la maison. Paris, Dunod, 1972.
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Um comentário:
Muitas pesquisas desenvolvidas pelo ASC/Proarq/UFRJ têm esse mesmo enfoque.
Seria muito bom colocá-las em discussão.
Aproveito para parabeniza-los por este blog.
Cristiane Rose S. Duarte
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