18 novembro 2009

marcos novak

TRANSARQUITETURAS E O TRANSMODERNO

Um: Após um século de surpresas, a arquitetura depara-se com a maior de todas elas: o desenvolvimento de uma forma sem precedentes de espaço digital urbano e arquitetônico, um espaço público global e sem existência física.
Embora as infra-estruturas desse domínio público não-local se encontrem já em fase adiantada de construção, carecem ainda da atenção de um discurso arquitetônico informado e crítico.
Contudo, mesmo na ausência de arquitetos, existem já numerosos ambientes virtuais de multiusuários , com populações da ordem dos milhares (mais de 200.000, só no Alphaworld).
Onde estão então os arquitetos?

Dois: A virtualidade digital não se limita ao ciberespaço.
Viabilizada pelo caráter ubíquo da informatização, implementada como um vernáculo eletrônico de telefones celulares, fibras ópticas e satélites e dotada de técnicas e processos de produção que permitem atingir níveis sem precedentes na criação de forma e de matéria, o mundo virtual constitui um novo espírito do tempo que se manifesta em todos os domínios da nossa existência.
Não apenas criamos um novo espaço público virtual para a arquitetura, como também alteramos o modo como habitamos o espaço real.
Todos os termos espaciais e temporais em que baseamos o nosso trabalho, as nossas atividades lúdicas, a nossa aprendizagem e a nossa vida se tornam cada vez mais inteligentes, não contíguos e não retinais.
Transferem a sua existência para um espaço-tempo curvo multi-dimensional, não euclidiano, de mediação eletrônica, que se sobrepõe à nossa familiar realidade euclidiana.

Três: Paralelamente, também os modos como concebemos, antevemos, modelamos e construímos os edifícios reais sofreram alterações.
O plano morreu.
A representação foi temporalizada e operacionalizada como uma interface para simulações dinâmicas. O modelo informatizado tornou-se, tanto um meio de descrição, como um meio de instrução, na rápida elaboração de protótipos e na rápida construção robótica de formas complexas.
Estes três aspectos - novo espaço virtual, espaço-tempo físico inteligente radicalmente alterado e novos modos de concepção e de produção de formas de construção - deverão ser conjugados numa noção única e abrangente de arquitetura.
No limiar do novo milênio, quando a informação e a matéria, o virtual e o real, o possível e o concreto se encontram cada vez mais entretecidos, necessitamos fazer uma pausa e articular novos projetos com novas arquiteturas: as transarquiteturas.
Do mesmo modo, a arquitetura do nosso tempo é, do ponto de vista informacional, de concepção algorítmica, capaz de gerar rapidamente protótipos e de produção robotizada.
Trata-se de uma arquitetura inerentemente inteligente e interativa, onde o espaço é atento e o tempo é inteligente, de uma arquitetura aberta à telepresença global e que só permite o isolamento através do acesso a sítios remotos.
Além disso, a arquitetura do nosso tempo é, ainda do ponto de vista informacional, de concepção algorítmica, de execução computadorizada e habitada de uma forma interativa.
É, também, uma arquitetura de espaço virtual vigilante e de amostras de tempo astutas.
Mais do que isso, o espaço virtual caracteriza-se por três características intrínsecas: a não-localização, a multiplicidade que lhe é inerente (uma alteração fundamental de um ponto de vista fixo albertiniano para uma condição de presença interativa) e a variabilidade radical das físicas eletivas ou ficcionais.
Na virtualidade computacional, a disciplina fundamental envolve a substituição de todas as constantes por variáveis.
Do ponto de vista topológico, o estudo destas relações (invariáveis perante transformações e deformações) é desafiado pela computação.
Do encontro da computação e da topologia resulta uma nova entidade conceptual: a noção de "topologia variável".
Esta aparente auto-contradição é resolvida a um nível mais elevado, um 'meta-nível'. À semelhança da arquitetura líquida e da vida artificial, a topologia variável constitui uma condição em que a invariância não assume uma forma, mas sim um princípio criador ou uma metaforma algorítmica.
Discreta ou contínua, condicional ou estocástica, a topologia variável fornece caracterizações úteis do suave espaço deleuziano, sem exigir uma perda mortificadora da liberdade nômade.
A transarquitetura constitui uma forma de arquitetura plurifiliar e multitarefa que tece o informacional e o material, o virtual e o real, o possível e o concreto.
Associado ao conceito de metamorfose, o prefixo "trans" reflete uma condição de mudança que, embora desenvolvida a partir de uma base conhecida e familiar, se converte rapidamente numa entidade independente da mesma.
A "transdisciplinaridade" difere da "interdisciplinaridade" ou da "multidisciplinaridade", na medida em que transcende definições prévias, penetrando em áreas de investigação até aí desconhecidas.
Embora a lúcida expressão "estereo-realidade" criada por Paul Virilio deixe bem claro o efeito estereoscópico da duplicação do real pelo virtual, penso que o termo "transreal" explica o caráter fundamentalmente estranho da realidade que emerge da estereópse e aponta diretamente para o projeto globalizante do transmoderno.


Um comentário:

DE-PROPOSITO disse...

espaço público global e sem existência física.
--------
Tudo tem existência física, até o que parece que não tem.
----------
Felicidades.
Manuel

 
Site Meter