12 abril 2009

Os homens se orgulham de suas realizações e têm todo o direito de se orgulharem. Contudo,parecem ter observado que o poder recentemente adquirido sobre o espaço e o tempo, a subjugação das forças da natureza, consecução de um anseio que remonta a milhares de anos, não aumentou a quantidade de satisfação prazerosa que poderiam esperar da vida e não os tornou mais felizes. Reconhecendo esse fato, devemos contentar-nos em concluir que o poder sobre a natureza não constitui a única pré-condição da felicidade humana, assim como não é o único objetivo do esforço cultural” (Sigmund Freud, O Mal-Estar da Civilização, 1929).
“Para compreender o papel predominante da técnica na civilização moderna, é preciso, antes de tudo, (...) explicar não apenas a existência de novos instrumentos mecânicos, mas expor como a cultura estava pronta para utilizá-los e deles aproveitar-se amplamente. (...) a mecanização e a arregimentação não são fenômenos novos na história. O que é novo, é o fato que estas funções tenham sido projetadas e encarnadas em formas organizadas que dominam todos os aspectos de nossa existência” ( Lewis Mumford, Técnica e Civilização, 1934).

TECNOTOPIA versus TECNOFOBIA.
O MAL-ESTAR NO SÉCULO XXI
Gustavo Lins Ribeiro / Departamento de Antropologia /Universidade de Brasília

Ciência e tecnologia são herdeiras dos mais poderosos mitos da civilização ocidental, cavalgando promessas de progresso ilimitado, de organização racional da vida social, política e econômica, e de subjugação do mundo social e natural aos desejos e ao planejamento de decision-makers iluminados pelo saber. A formação do par C & T é resultado de complexos processos históricos que confluíram para uma naturalização tão intensa sobre seu papel na vida social, cultural, política e econômica que, hoje, podemos considerar estarmos imersos em uma cultura tecnocientífica. Rótulos como cibercultura fazem prospecções sobre os novos fantasmas e modalidades de vida de que estão prenhes as tecnologias de ponta. Para Arturo Escobar (1994: 214), cibercultura "refere-se especificamente a novas tecnologias em duas áreas: inteligência artificial (particularmente tecnologias de computação e informação) e biotecnologia". A difusão das novas tecnologias traz à luz dois regimes de sociabilidade: a tecnosociabilidade e a biosociabilidade que "encarnam a consciência de que cada vez mais vivemos e nos fazemos em meios tecnobioculturais estruturados por novas formas de ciência e tecnologia" (idem).

A dupla face utópica (paradisíaca) e distópica (apocalíptica) da tecnologia é central para entendermos os dilemas que cada vez mais enfrentaremos. Por um lado, encontramos formulações utópicas apoiadas na maravilha que se levanta da ampliação das qualidades e ações humanas. A tecnotopia, caudatária da ideologia do progresso e de uma visão evolutiva da história da tecnologia (especialmente a partir da Revolução Industrial), é hegemônica e, neste momento de crises de utopias, é, em larga medida, o grande metarrelato salvífico do mundo contemporâneo. Por outro lado, estão discursos distópicos apoiados no terror às forças destrutoras desencadeadas por diversas invenções (controladas por grupos específicos) ou no temor à punição provocada pela manipulação radical da natureza. A tecnofobia, marcada pela desigualdade da distribuição sócio-política-econômica do acesso à tecnologia e por um imaginário onde cohabitam discursos alternativos ou cosmologias mágico-religiosas com seus demiurgos, é, em geral, relegada a um segundo plano, mas, ocasionalmente, sobretudo quando o homem parece querer brincar de Deus, reúne energias com poder normativo e regulatório.

Ciberespaço, organismos engenheirados e ciborgs metaforizam a procura por transcendência tanto quanto são índices de ansiedades culturais do nosso tempo.

O surgimento de novos fetiches e sistemas de poder é levantado por Arthur Kroker e Michael Weinstein (1994) que apontam para o advento do "corpo ligado" (wired body) e daquilo que chamam de a "classe virtual".

Se existe algo que alimenta uma visão evolutiva de aperfeiçoamento constante no tempo, isto é a tecnologia. Não por outro motivo ela é a espinha dorsal da ideologia do progresso. Se a capacidade de intervenção no real será sempre mais elaborada, podemos esperar dilemas cada vez mais complexos. A tensão entre tecnotopia e tecnofobia persistirá e certamente interessará, cada vez mais, a todos. Dentre os muitos desafios que já se apresentam a diversas instituições, o do impacto do avanço científicotecnológico na vida política, cultural, econômica e social, nos corpos, na subjetividade, na natureza, é um dos maiores e crescerá aceleradamente.

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