01 abril 2007

Psicologia e Arquitetura: em busca do locus interdisciplinar


Gleice Azambuja Elali . Universidade Federal do Rio Grande do Norte


Partindo do reconhecimento da inevitável interdisciplinaridade no estudo da relação pessoa-ambiente, o artigo discute a Psicologia Ambiental enquanto locus privilegiado na interseção entre Psicologia e Arquitetura, com especial ênfase para a interrelação ambiente construído - comportamento humano. Definindo a escolha dos métodos de pesquisa como fator crucial a esta posição interdisciplinar, o texto aponta os principais métodos atualmente utilizados, facilidades de aplicação e vantagens/desvantagens dos mesmos, defendendo a propriedade do uso de multimétodos na realização de trabalhos na área.

O homem e suas extensões constituem um sistema inter-relacionado. É um erro agir como se os homens fossem uma coisa e sua casa, suas cidades, sua tecnologia, ou sua língua, fossem algo diferente. Devido à inter-relação entre o homem e suas extensões é conveniente prestarmos uma atenção bem maior ao tipo de extensões que criamos (...). Como as extensões são inanimadas, é preciso alimentá-las com feedback (pesquisa), para sabermos o que está acontecendo, em particular no caso das extensões modeladoras ou substitutivas do meio ambiente natural. (E. Hall, 1966, pp.166-167)

Embora tenha sido escrito há mais de 30 anos, o texto de Edward Hall aponta, desconcertantemente, uma área de trabalho ainda pouco explorada. Desconcertantemente, porque apesar da nossa capacidade para criar/modelar espaços e, sobretudo, embora a humanidade viva essencialmente em ambientes edificados (a maior parte da população mundial habita em cidades), pouco tem sido construído no sentido de ampliar o conhecimento da interface entre ambiente e comportamento humanos.
De fato, apesar da evidente necessidade de nos tornarmos atentos à inter-relação entre o homem e as extensões que cria para si, continuamos a estudar isoladamente cada fator envolvido nesta complexa equação. Grande parte do problema diz respeito à própria indefinição sobre a área, ou áreas, de conhecimento a que pertence o estudo desta relação, com possíveis vertentes em Psicologia, Sociologia, Antropologia, Arquitetura, Urbanismo, Geografia, entre outras. No entanto, a principal causa desta dificuldade parece relacionar-se à relativa estagnação do conhecimento dentro de cada setor, fruto da intensa compartimentalização da ciência em busca da super-especialização: a Medicina dedica-se ao estudo das condições de saúde do corpo; a Psicologia analisa o comportamento humano; a Sociologia aborda a relação entre os indivíduos; a Arquitetura projeta os edifícios que os abrigam; o Urbanismo dedica-se à planificação das cidades...

Paradoxalmente, embora seja óbvia a complementaridade entre estes e outros campos de trabalho, envolvendo faces diferentes de uma mesma problemática, as informações geradas em cada "grupo de estudos" pouco se expande além de seus próprios pares, dificultando a formação de uma massa crítica interdisciplinar que alimente um processo investigativo mais amplo. Felizmente, o gradual surgimento de trabalhos interdisciplinares tem induzido mudanças paradigmáticas no enfrentamento desta temática, com ênfase para a necessidade do reagrupamento das disciplinas e o surgimento de novas formas de atuação nas diferentes profissões.

Uma questão de complementariedade

Em Psicologia e Arquitetura, duas das áreas mais proximamente ligadas ao estudo da relação pessoa-ambiente, este quadro não é diferente. Gradualmente a Psicologia ampliou sua área de atuação do indivíduo para o social e o ambiental, "redefinindo" e complementando seu objeto de estudo de modo a abarcar as interações ambiente-comportamento, e contribuindo para um conhecimento mais amplo da realidade através de um enfoque ecológica e humanamente consistente. Em Arquitetura, por sua vez, aos poucos observa-se o deslocamento da ênfase na análise de aspectos estéticos/construtivos/funcionais do edifício para a preocupação com a percepção/satisfação dos usuários e com as implicações das intervenções em termos de paisagem, propiciando a elaboração de propostas mais centradas no indivíduo e/ou no social e nas implicações ecológicas das interferências realizadas.


Conclusão: uma questão de continuidade

· Que parâmetros deveriam estar envolvidos na definição de áreas mínimas para uma habitação humana e ecologicamente adequada?

· Como as condições de conforto no ambiente construído (temperatura, ruído, iluminação etc.) alteram o comportamento humano?

· Como o espaço influencia o comportamento de multidões? Existem espaços que se adequem melhor que outros à acomodá-las?

· De que maneira a vida em cidades afeta o comportamento humano?

· Quais as conseqüências da superdensidade? Como trabalhar isso em face da resolução de problemas urbanos?

· Como um sem-teto estabelece sua territorialidade e organiza seu espaço vivencial? Qual a forma de rebater tais informações no projeto de um local que o abrigue?

·Ambientes extremos (como bases espaciais, estações polares, desertos, ilhas isoladas) alteram as condições de convívio entre as pessoas? Como este conhecimento pode auxiliar a repensar / reestruturar tais espaços?

· Que informações são necessárias para o projeto de uma "simples" residência, física e psicológicamente adequada à família que vai habitá-la? Como coletar tais dados de modo a apreender os aspectos vivenciais da relação entre seus membros? Existe um "desenho" que reinterprete tais informações, respondendo às necessidades das pessoas envolvidas?

Questões como estas, típicas de trabalhos em Psicologia Ambiental, são extremamente complexas, apontando tarefas em cuja realização o cruzamento metodológico é essencial, e que necessariamente devem ser abordadas de modo interdisciplinar. Assim, o estudo do comportamento humano no ambiente construído, embora objeto desta área de conhecimento, envolve em sua discussão não apenas aspectos ligados à Psicologia e à Arquitetura, mas exige a participação ativa de várias outras disciplinas interessadas em pensar a qualidade de vida humana a partir da percepção e das vivências dos diferentes agentes envolvidos em cada problemática.

No processo de apropriar-se da realidade para a geração de conhecimento, no entanto, é fundamental que o pesquisador conscientize-se do fato de estar, além de buscando informações, também participando de um processo de troca, e interferindo, em maior ou menor escala, na estabilidade (real ou imaginária, duradoura ou efêmera) existente. Insere-se, finalmente, mais um elemento nesta equação (embora isto não signifique relegar tal fator a último plano): a responsabilidade social daqueles que se dispõem a trabalhar a relação pessoa-ambiente. Tal tarefa se impõe uma vez que, possibilitando o aguçamento do senso crítico do usuário com relação ao local onde vive e à qualidade de vida almejada/obtida, estamos participando ativamente do processo de modificação dessa mesma realidade. Este é mais um assunto a ser discutido... interdisciplinarmente.

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http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X1997000200009&lng=pt&nrm=isso&tlng=pt

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